POESIA
Ela, a que afundou. A esquecida e abandonada, a que lamenta mas ninguém lê sequer o seu lamento. São lidas as manchetes políticas mas ela não. É como uma lágrima que cristalizou, e tão bela que ela continua a ser na derrota. A derrota que é do mundo, jamais das suas emoções. Ela é sangue, é músculo que bate, ela é a alma que se apropria dos corpos. Nunca o lago saberia ser sozinho se não houvesse quem o chamasse de oásis. É preciso dar nome, batizar linguisticamente o mundo para que o mundo se entenda e se sinta. Hoje esse lago é como uma força motriz quase consciente para a fauna e flora, é um milagre. E foi preciso ela existir. Sem ela, veríamos apenas um antro escuro e ignorado e do qual teríamos medo. É isso, ela tira-nos o medo das coisas. Algo que seja explicado, imaginado ou amado, faz-nos não ter medo porque há sempre mais e mais, num eterno desvendar das nossas próprias emoções. Ela dá profundidade, ela introduz um violino numa esquina ou o apocalipse no final da rua. Ela pode surgir no teu corpo de criança ou num piano que arde. Mas ela é o transbordar da reflexão, o alicerce da sapiência e a tradução do ser humano. Nunca a vela içada do barco significaria a conquista do mundo se não fosse ela a trazer o mote de esperança, o propósito da humanidade em se cumprir os mares e erguerem territórios. Foi ela que moveu os marinheiros. É ela que fica na história de um povo, que passa e trespassa com espadas e papiros as gerações. Ela misteriosamente desfragmenta, como uma peça de crochê que se pode desfazer devagarinho mas sem a destruir, para perceber os meandros da existência. Ela desconstrói para construir. Erguem-se muralhas, castelos, flores luminosas ou fadas. Erguem-se risos, montanhas, sinos e cânticos. Ergue-se a inocência, a promessa, o horror e a derrota. Ergue-se a guerra, a paz, a vida e a morte. Poderemos escrever sobre tudo mas será sempre tudo sobre nós. No final do poema já estaríamos dentro de nós sem bagagens, como um truque fácil de magia. Desde o primeiro grego que se ergueu politicamente, a poesia já estava lá, as emoções estavam lá. É preciso gritar, escrever, possuir alguma coisa fantasiada. As descobertas sempre tiveram corpo de homem comum mas uma mente em ebulição. Permitam-se voar um pouco. O rosto aquece, dos lábios surge uma meia lua, o coração apazigua. Existimos sempre mais inteiros dentro da fantasia. O que seríamos de nós sem a poesia? Ela abraça. Ela cuida. Ela é urgente. Ela é a força dos sensíveis, a porta de luz, ela é a descaracterização, a nudez do pragmatismo, a tontura da realidade e o amor pela sobrevivência. É onde somos livres. E liberdade é a base da criação.
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