Alentejo

De cara queimada pelo sol, baloiçava no carro com um vento quase vulcânico a dar as boas vindas. 

Mas coração que bate, alma que escreve. 

Olhava aquela espécie de beleza trágica dos campos tórridos. 

O milho queimado, os fardos como grandes tronos, os portões coloridos como portais para algo inesperado, o moinho de vento a galopar com força como se fosse a única coisa ainda viva. 

Um verde rarefeito mas paciente. Ele lá saberá que o seu tempo chegará.

Um horizonte árido mas com vestígios de um trabalho sempre assíduo de gentes que não precisam de plateia. 

Um horizonte seco mas não esquecido. 

São terras que sabem esperar pela bonança, que pacientemente respeitam o sol e a demora das chuvas. 

Aqui nada está morto. Existe apenas um tempo que aguarda a prosperidade. Como uma fotografia antiga que demora a ser revelada e faz com que a paixão da espera dure mais um bocadinho. 

Ali existe apenas uma outra faceta daquilo a que chamamos realidade. 

Porque a vida continua ali a existir. E transborda. 

És qualquer coisa que urge ser recriada.

Foste a liberdade que eu vesti no corpo. 

Quando se chega parece consensual sentir uma sensação de paragem do tempo. 

Não nos resta saída se não a de nos debruçarmos sobre nós, a paisagem e o pensamento livre. 

E que rico que assim é! Não existe nada de solitário dentro do nosso universo. 

E aí divago sobre o que as rochas teriam para contar sobre o avanço dos séculos ou sobre o que diriam as fendas da terra seca acerca da palavra tempo. Penso na sagrada virtude das copas mais belas de incontáveis estações do ano. 

É a beleza inevitável de um tempo que apenas existe porque sabe existir. 

Um património que obedece ao requinte de não existir pressa.

A sua plenitude basta-lhe. 

Aqui não há linhas megalómanas para além do sorriso ou do leque onde tapamos o rosto. 

Essa obstinação em existir é realmente bela. 

Essa teimosia inabalável de nos despertar para a curiosidade das coisas mais simples é que é muito à frente deste tempo. 

Quanto mais se erguem as cidades, mais a origem de tudo é o que mais espanta. 

A realidade lá ao longe baseia-se em escalar, somar e andar a todo o gás, onde se despreza a existência e o poder dos nossos passos. 

Para muitos seria sufocante sacudir esse círculo viciado de ações repetidas para sair do anonimato, viver de sonhos e de trabalho de campo e ao fim do dia esse campo ser apenas do nosso corpo. Ser todo ele nosso, o corpo e o campo, e onde repouso as minhas costas e a cada dia faço surgir uma ideia nova. 

Porque aqui procuramos a sombra da árvore, mas nas cidades procura-se a sombra dos sentidos, a escuridão da superficialidade. Esta sombra apenas refresca, não cega. 

Ele mostra-nos que não precisamos da abundância nem de viver em prol dela.

Tragam-me o Alentejo e a paragem do tempo porque só aí consigo estar acordada. 

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Zaask

Escritora e Fotógrafa