Fronha de Cetim

Os sinos tocaram e a alvorada eras tu 
Que vinhas quase com código e magia de baú 
Se a paz fosse objeto, eras como fronha de cetim
Com o poder de transformar a noite em jardim
Fomos a revolta dos mares e uma fuga com pressa 
Como esse mundo que se afoga no tempo e nele tropeça
Contigo agora sei que morro um pouco menos 
Já não sinto a solidão como o pior dos venenos
Contigo agora sei que vivo um pouco mais 
Sem encarar a morte como o mais temido cais
Porque vivo com urgência, vivo com espanto
Desde o primeiro olhar que tens sido tanto 
Sou o pássaro que entendeu a escassez do inverno 
E que agora vê a prosa dos campos como eterno 
Sou a água da cascata que entendeu a dureza da rocha 
E naquela noite escura, ali estavas tu, como a minha tocha 
Fomos mais do que a surdez da cidade 
E fugimos ao perceber que tempo não é caridade
Fomos maiores do que o anonimato da repetição 
Nutrir a nossa luz própria foi a nossa melhor expressão
Lá atrás ficaram feridas abertas que insistiam ter voz 
No meio de tanto barulho, eu só ficava mais a sós 
Deixei para trás um passado cansado, viciado,
Que ao final do dia era só um pequeno ego inchado 
A liberdade das ruas deu lugar à insegurança de poder voar
Agora o caminho abriu-se em direção ao mar 
Do amor que recebo, hoje sou vaidade
E dentro de tudo o que sou, hoje sou liberdade
Hoje negoceio com o vento 
Hoje deixei de conhecer o tempo 
Já não tenho metas temporais
Deixo fluir apenas os estímulos vitais
Antes lutava para esquecer a utopia 
Hoje sou eu que embebeda a nostalgia 
Haja para sempre café e a cortina de renda 
Para que um dia se escreva que nós fomos lenda 
Haja para sempre pés quentes e o fumegar na panela
E que para sempre continuemos crianças a correr pela viela 
Quero dançar mais que a própria vida 
E ficar zonza até que ela me dê por vencida
Foste areia da praia que beijou o barco que encalhou
Foste a letra que foi escrita mas que afinal se cantou 
Somos o quadro na parede e o canto gregoriano 
Somos a vida terrena e um sereno sonho humano 
O amor é simples de entender como a maciez da tua pele
Ou um quadro de cores primárias em que eu te pincele 
Perco os sentidos, sorrio, e fica só o sentido de sentir 
Sou fronha de cetim que a paz quis vestir

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Zaask

Escritora e Fotógrafa