Narcolepsia
A pálpebra treme, o corpo fica sem forças, a imagem desfoca, a lucidez insiste em escapar e começa a luta neurológica. Não é sono, é cronicidade. Dou estalos mentais na minha existência para que as pessoas à minha volta não estranhem. Foi assim desde criança, passando pelas salas de aula do secundário, os auditórios na faculdade e as formações teóricas em contexto laboral. Qualquer monotonia que dure alguns segundos ou minutos, ou algo que exija rigor e detalhe, vão sempre dar à colisão com um apagão mental. Sinto-me como que a revirar os olhos, a pedir por tudo que a crise passe e a fazer gestos por repetição de memória e não por foco consciente, porque esse deixa de existir, apenas e somente para ninguém notar. Podem existir trinta bocejos por minuto como pode não existir nenhum mas o preconceito existe quando há bocejo e todo o mundo confunde com sono. Embora seja difícil de explicar a diferença, o sono tem uma certa percentagem de controlo e tem maior relação com o cansaço. O que eu sinto não é um sono de capricho, é um desligar quase total do sistema, que mexe com corpo, raciocínio e fala. Nada tem a ver com as horas dormidas ou a quantidade de café. Mas sempre houve incompreensão, não fosse ele um distúrbio de que apenas 5% da população mundial padece. Quando todos à minha volta riem, tiram foto ou olham com desdém por acharem que fui para a noitada e não dormi, eu estou a lutar incansavelmente contra este bloqueio. Nas aulas da faculdade eu começava a sonhar no espaço de 3 segundos, sonhos complexos, e aí entendia que eu não era só mais um comum sonolento que acha a aula uma seca porque essas pessoas continuavam a fazer anotações, a conversar, a rir e a fazer coisas que exige vigilância, aquela que eu perco totalmente. Num momento normal e desperto, eu via as minhas páginas de apontamentos bem organizadas, com setas e asteriscos, e a página a seguir era indecifrável sem eu mesma entender uma única palavra. Do primeiro ciclo à faculdade. Eis a primeira vez que abordo isto. E quando a crise passa eu sinto-me cheia de energia ou talvez seja só a vontade de querer recuperar do tempo adormecido. Sempre assumi a estratégia de falar ligeiramente mais alto e tentar ser bastante assertiva para aumentar um pouco o meu foco no enredo que está a acontecer à minha volta, e também para a pessoa do outro lado não notar que estou quase a adormecer. Mas uma coisa é certa, a luta em prol da aparência de parecermos normais só dificulta o fechar da sonolência. Claro que quando estou em ambiente confortável, como em casa ou com pessoas de confiança, simplesmente durmo sem lutas interiores e acordo renovada. Já adormeci a conduzir, já adormeci de pé numa fila e apesar de ser difícil ter insónias, isto não invalida que elas por vezes existam. As crises súbitas são quase sempre diurnas e o que mais as potencia para além da monotonia, é o calor e sons apetecíveis como o cortar de papel ou o mexer em canetas. Principalmente quando não há um estímulo contrário a tudo isso, ou seja, toda um sinfonia neutra, inimiga da vigília. Por experiência própria, quando um professor ou formador me chamava à atenção eu rapidamente despertava. O segredo é existir esse clique, essa força oposta, que me gera medo, vergonha ou responsabilidade, que me faça sair da bolha, porque é possível sair dela, ainda que seja uma luta crónica e para todo o sempre. Em viagens sozinha de carro abro o vidro em dias de chuva, ponho a música no máximo e dou estalos na bochecha quando acontece cair nesse ciclo. Só que nunca se atenua por nós próprios, tem de ser um estímulo externo, que não dependa de nós, por isso é que há ambientes em que fico hipotecada a essa overdose de sono porque sei que só me resta esperar que ela passe naturalmente. É frustrante porque pode durar 5 minutos como mais de uma hora.
Hoje conheço o seu nome: Narcolepsia
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